Estudo de Caso: JBS Friboi

Na manhã do dia 12/11, assisti a apresentação aos investidores da JBS, a maior empresa de carnes do mundo. Eu não conhecia a empresa, mas estava curioso e queria saber mais sobre esse caso emblemático de uma empresa líder mundial na produção de proteína animal, que no Brasil, é caracterizado por pequenos e médios abatedouros.

Resumindo rapidamente o que ouvi e li:

  • A empresa nasceu em Anápolis, GO, em 1953, com uma capacidade de abate de 5 cabeças de gado por dia. A empresa cresceu organicamente e por meio de aquisições. Em 2002, a capacidade de abate já atingia 5 mil cabeças / dia. Em 2005, fez sua primeira aquisição no exterior: comprou a Swift, a maior produtora e exportadora de carne bovina na Argentina. Em 2007, fez seu IPO e comprou mais empresas na Argentina, EUA e Itália. Em 2008, adquiriu outras empresas nos EUA e na Austrália. Em 2009, atingiu a capacidade de 90 mil cabeças /dia com a aquisição da Pilgrim’s Pride (EUA) e as operações de carne e leite da Bertin. Ao todo, foram 37 aquisições.
  • Ou seja, em 7 anos, a JBS multiplicou sua capacidade de abate em quase 20 vezes. Em 2004, a empresa tinha 16 mil funcionário. Em 2009, tinha 123 mil funcionários: uma aumento de quase 7 vezes.
  • As empresas adquiridas se encontram em países com claras vantagens competitivas na produção de carnes (Brasil, Argentina, EUA e Austrália).
  • A empresa produz carnes in natura (bovinas, suínas, ovinas e de frango), carne processada, derivados do leite.
  • Entre suas vantagens competitivas a empresa destaca: custo de produção e logística; marcas lideres; atuação internacional.
  • A JBS quer entregar seus produtos diretamente no PDV para aprender mais sobre seus clientes.
  • Segundo as informações do site da empresa, em 2009, a JBS teve um faturamento liquido (ROL) de R$ 55 bilhões, gerou um EBITDA de R$ 3 bilhões (5,5% do ROL) e um lucro líquido de R$ 129 milhões (0,2%).

Apesar de seu crescimento e estratégia operacional, as ações da JBS (JBSS3) estão hoje, próximas aos preços do IPO em 2007 (R$ 6), o que desanimou os investidores minoritários. Só este ano, as ações caíram 30% e a empresa, à valor de mercado (market cap), vale menos do que seus ativos. Por que o “mercado” não valoriza JBS?

No encontro do dia 12/11, algumas coisas me chamaram a atenção:

  • A empresa ofereceu um belo café da manhã com seus produto e na saída, ganhamos uma bela mochila de brinde. Mas, não recebi nenhum kit com os demonstrativos contábeis da empresa;
  • Logo no café, uma investidora que comprou as ações da JBS no IPO me contou de sua frustração com a JBS, mas não soube explicar a razão para as ações não se valorizarem;
  • Durante a reunião, um analista perguntou ao Joesley o que eram R$ 80 milhões de despesas não recorrentes que constavam em nota explicativa do relatório anual. Explicou que metade eram despesas de absorção das operações da Bertin e da Pilgrims. A outra metade eram doações eleitorais… Ou seja, R$ 40 milhões do dinheiro da empresa foram doados à campanha presidencial? O Itaú, que lucrou R$ 10 bilhões em 2009, doou R$ 14 milhões! R$ 40 milhões é quase 1/3 do lucro líquido da JBS em 2009. Por que tamanha doação?

Quando entrei no site da JBS para tentar pegar os seus demonstrativos contábeis, não consegui. O site estava desatualizado e informações mais detalhadas são difíceis de se conseguir. Não consegui baixar os relatórios da CMV. Sem poder analisar os números da empresa, perguntei à alguns amigos, profissionais do “mercado”, suas opiniões sobre a empresa:

  • “É difícil avaliar a JBS, dada a complexidade e tamanho de suas operações”;
  • “A eficácia da administração da JBS é reconhecida, mas há quem diga que a empresa está tendo dificuldades em absorver as novas aquisições, pois ainda não conseguiu maximizar sinergias e impor seu estilo de gestão”. Isso seria compreensível, pois, ao todo, a empresa possui 50 plantas (Brasil + exterior);
  • “Parece não haver limites à vontade da empresa e seus acionistas em investir.” Surpreso, descobri que a holding da família Batista, dona de 55% da JBS, investirá R$ 3 bilhões em uma fábrica de celulose. O que tem a ver celulose com processamento de carne? Só de equipamentos, serão comprados R$ 2,5 bilhões. O projeto total custará R$ 7 bilhões.

Por coincidência, hoje, antes de concluir este artigo, li a entrevista no OESP, o presidente da empresa, Joesley Batista (“Será que eu joguei pedra na cruz?”, p. B19, 25/11/10), que tentou explicar a razão do mercado descontar tanto as Ações da JBS: “Certamente, temos algum erro de comunicação com o mercado.” Ao ler a entrevista, fiquei com a certeza que o Joesley estava certo. Há mesmo graves problemas de comunicação:

  • quando perguntado sobre quanto a empresa pagaria de juros aos bancos em 2010,  Joesley respondeu: “não sei”. O repórter insistiu: “o mercado diz que a JBS pagará R$ 500 milhões”, mas ele repetiu: “não sei”. Como o presidente de uma empresa não sabe um número destes?
  • O repórter perguntou sobre uma multa de US$ 300 milhões que o BNDES cobrará da JBS por não fazer o IPO da Pilgrims nos EUA. Joesley respondeu: “acho muito normal e razoável uma companhia que levantou US$ 2 bilhões pagar US$ 300 milhões. ” Normal? Razoável? Como assim? Por maior que seja a empresa, não há nada de “normal” ou “razoável” em pagar uma multa de US$ 300 milhões!

Ao ler a entrevista, fiquei com a impressão que Joesley estava irritado com o “mercado”e até com os repórteres. Entretanto, a metáfora que ele mesmo usou, “será que eu joguei pedra na cruz”, é muito significativa. Primeiro, porque a figura do “mercado” se parece com aquela de Deus, no sentido que é mais forte do que nós, sabe algo que não sabemos e que por vezes age de maneiras incompreensíveis. Segundo: o “mercado” quer MUITA informação, principalmente sobre uma empresa em um novo setor (na BOVESPA) e com tantas aquisições recentes. Há um ditado que diz: “o mercado não aceita desaforos”. E pode ser isso mesmo que está acontecendo.

Conheço pouco a JBS, mas desde já tenho uma sugestão para o Joesley: não leve a desvalorização do mercado como uma crítica pessoal. Na entrevista, Joesley se queixa que o mercado ainda vê a JBS como uma “firminha de Goias”. Não acho que é por aí. É preciso ouvir o “mercado”, aprender com ele.

Uma coisa é certa, há poucas empresas que conseguem ser bem sucedidas perseguindo duas estratégias diferentes, como me parece que a JBS faz. Ou seja, liderança em custo e diferenciação do produto. Além disso, a JBS fez muitas aquisições mesmo, em mercados diferentes e não é por menos que seja difícil avalia-la. O foco dos acionistas em investimentos substanciais em outros setores (ex. celulose), neste momento da JBS, também me parece enviar um sinal negativo ao mercado. Afinal, vivemos num mundo onde há restrições orçamentarias e o dia só tem 24 horas.

Espero poder ter acesso aos demonstrativos contábeis da JBS nos próximos dias. Se e quando conseguir, retomarei minha análise sobre este caso.

Você tem alguma opinião sobre a posição estratégica da JBS, sua situação econômico financeira? Por que você acha que o mercado desconta tanto as ações da empresa?

Um abraço,

Eduardo Luzio

Sobre Eduardo Luzio

Economista pela USP (88) e PhD pela PhD University of Illinois (93). Consultor em finanças corporativas e estratégia. Professor de finanças na FEA-USP, FGV -SP e Insper.

5 Respostas para “Estudo de Caso: JBS Friboi”

  1. Um presidente que “não sabe” quanto sua empresa paga de juros a banco, não pode reclamar do mercado.

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  2. Legal!

    Uma politica agressiva de aquisição (parece a moda do século) pesa em respostas/resultados no tocante ao uso de ERP/TIC eficazes para integrar diferentes culturas/processos e fornecer dados precisos ao mercado?
    É possível que ela esteja lucrando e não consegue comunicar isso corretamente ao mercado?
    Empresas em situações semelhantes podem ter processos distintos em plantas com o mesmo fim o que pode implicar em diferentes ganhos de produtividade…
    Como GP reage (após A&F) ou pró-age (antes da A&F) a isto?
    Com o mercado de derivativos movimentado valores que superaram a economia real teremos uma maior pressão por A&F para gerar escala e retornos rápidos?
    Isso contribui para a longevidade da organização?

    O cara foi honesto. Se tentasse fingir conhecer os números certamente seria pior.
    Uma atualização sobre o panorama da empresa será enriquecedor.

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  3. “Ou seja, R$ 40 milhões do dinheiro da empresa foram doados à campanha presidencial? O Itaú, que lucrou R$ 10 bilhões em 2009, doou R$ 14 milhões! R$ 40 milhões é quase 1/3 do lucro líquido da JBS em 2009. Por que tamanha doação?”

    7 anos depois e as respostas começaram a surgir rs.

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    • Faz muito sentido atualmente…. e isso aqui também “…Surpreso, descobri que a holding da família Batista, dona de 55% da JBS, investirá R$ 3 bilhões em uma fábrica de celulose. O que tem a ver celulose com processamento de carne? Só de equipamentos, serão comprados R$ 2,5 bilhões. O projeto total custará R$ 7 bilhões …” aí vem a operação carne fraca para elucidar 🙂

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  1. JBS x Risco da Arrogância do Sucesso | Reflexões sobre valor - 26 de Novembro de 2015

    […] primeiro e último post sobre a JBS foi em 2011. Desde então, tenho acompanhado a empresa a distância atropelado pelo dia-a-dia, mas […]

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