Capital de Giro: Remédio ou Veneno?

Não tenho estatísticas oficiais, mas pela minha experiência, acredito que capital de giro seja uma das principais causas de morte de empresas. Mas, afinal  o que é “capital de giro”?

Para a maioria das pessoas, “capital de giro” é o dinheiro que falta no final do mês e que leva a pessoa (ou empresa) a recorrer ao “cheque especial” (conta garantida). Mas o “dinheiro que falta no final do mês” não é o capital de giro e sim uma consequência dele.

Em inglês, capital de giro é conhecido como “working capital“, ou “capital de trabalho“. Apesar de esquisita, essa tradução reflete melhor a essência do que se trata: da evolução de três contas estratégicas de suma importância para as empresas. São elas: Contas a Receber (CAR), Estoques e Contas a Pagar (ou “Fornecedores”) . Essa “tríade” é crucial para a vitalidade das empresas (e das pessoas).

Para fazer um paralelo entre empresas e pessoas, considere que CAR é seu salário recebido todo fim do mês (se você não perder o emprego). Os “Estoques” são formados por suas compras (alimentos, material escolar, roupas, etc.) no mês. Os “Fornecedores”  são valores que você tem de pagar à prazo àqueles que vendem itens de seu estoque e lhe prestam serviços (supermercados, lojas, locador do seu apto, escolas, etc.). Se você recebe todo fim do mês, mas tem de manter um alto estoque e seus fornecedores não te dão muitos dias para pagá-los, possivelmente você terá um capital de giro negativo, e se não cuidar, virará “veneno”. Da mesma maneira, se você é muito econômico, almoça na casa de seus pais e tem um bom salário, seu capital de giro será positivo e você poderá até poupar uma parte dele,  tornando-o “remédio”.

Capital de Giro como Remédio nas Empresas

CAR. Para empresas, o CAR reflete a estratégia de venda, ou seja, quanto e como a empresa financia as compras de seus clientes. O CAR é uma carteira de cheques pré-datados, de duplicatas a receber, de recebíveis de cartão de crédito e débito. Quanto mais a empresa “ajudar” seu cliente a comprar, mais ela faturará (remédio).

Estoques. Os Estoques são compostos por matérias primas e/ou produtos acabados que a empresa precisa ter no seu depósito e/ou pontos de venda. Estoques adequados ajudam a empresa a responder prontamente à demanda de seus clientes por rapidez na entrega e diversidade de escolhas (remédio).

Contas a Pagar. O terceiro componente da tríade é o Contas a Pagar, que reflete o prazo que os fornecedores da empresa lhe concedem para pagar suas compras de matérias primas e/ou produtos acabados. O Contas a Pagar dá a “folga” necessária para a empresa vender os produtos e acumular dinheiro para pagar seus fornecedores e gerar lucro aos acionistas (remédio).

Essa descrição da tríade do capital de giro ilustra a essência do termo “capital de trabalho”. Note também que a tríade resulta da dinâmica concorrencial do mercado que a empresa atua.

O Magazine Luiza (MAGLU), por exemplo, tem de parcelar a venda de geladeiras em 10 prestações mensais, caso contrário, o cliente vai comprá-la no Ponto Frio. Além do parcelamento, também precisa ter em suas lojas uma ampla variedade de geladeiras para o cliente escolher, caso contrário, o cliente vai ao Ponto Frio. Ao vender geladeiras em 10 prestações mensais para ser competitivo, MAGLU usará seu poder de barganha para negociar com os fornecedores prazos iguais ou superiores a 10 meses para pagar suas compras. Mas, se MAGLU vende em 10 prestações e a Electrolux lhe concede só 2 meses de prazo na compra, seu  capital de giro será negativo!

Por outro lado, se a Electrolux conceder 15 meses para a MAGLU pagar suas compras, o capital de giro será positivo, o que pode dar uma falsa impressão que há dinheiro sobrando… Neste caso, os efeitos do capital de giro são contra intuitivos para muitos empresários que não conseguem percebe-lo, pois a empresa cresce (em termos de faturamento e lucro), mas há menos dinheiro disponível para pagar dividendos e investir.

Capital de Giro como Veneno nas Empresas

O empresário tem de saber gerir o capital de giro para que o remédio não se torne veneno.

Um tipo de “envenenamento” muito comum em empresas varejistas (supermercados, magazines, lojas de roupa,… até restaurantes) é o empresário expandir sua rede de lojas, faturar mais, gerar mais lucro, ter a sensação que esta enriquecendo e distribuir mais dividendos (pois, por questões contábeis, o capital de giro pode não afetar diretamente o lucro líquido). Neste caso, o capital de giro começa como “remédio”, pois para expandir a rede e crescer o faturamento, a empresa tem de investir no CAR e em Estoques, e os Fornecedores poderão apoia-lo (total ou parcialmente) nesta evolução. Mas, o remédio pode se tornar veneno numa crise econômica (leia-se desemprego). Os clientes que compraram a prazo atrasam seus pagamentos (inadimplência) ou compram menos (estoques “encalham”). A empresa poderá ficar sem dinheiro para pagar os fornecedores, o remédio vira veneno e mata a empresa.

Capital de giro,  “capital de trabalho”, é um aspecto inerente dos negócios que requer muita atenção do empresário, pois pode ser a causa mortis da empresa, especialmente quando o consumidor esta comprando em excesso e se endividando.

Após o Plano Real, o varejo de eletrodomésticos brasileiro viveu “anos dourados”, com consumo em alta e fornecedores apoiando com prazos generosos para pagar as compras. Entretanto, poucos anos depois, no fim da década de 90, veio uma sequência de crises (Tigres Asiáticos (97), Rússia (98) e Brasil (99)) a inadimplência explodiu. Muitos varejistas não tinham como pagar seus fornecedores e acabaram “quebrando” (Casas Centro, Arapuã, G. Aronson, Brasimac, Mappin, Mesbla, etc.). Os fornecedores ficaram tão assustados com o calote que começaram a vender só à vista. Mas, com o país em crise, os consumidores não tinham dinheiro e disposição para comprar, muito menos para pagar à vista. Pronto, o tumor, alimentado pela inadimplência e a economia em recessão, se espalhou pelo setor, dizimando muitas empresas.

Como evitar que o capital de giro vire veneno?

Primeiro, se for vender à prazo, seja muito criterioso na sua análise de crédito. Vendas não é só quantidade, mas também qualidade. Não dê prêmios aos seus vendedores por vendas, mas sim por margem de rentabilidade considerando a inadimplência. Se não tiver um bom sistema de análise de crédito, use os cartões, pois apesar de suas taxas, podem protege-lo da inadimplência (lembre-se, não há “almoço grátis”).

Segundo, planeje bem suas compras e mantenha uma logística eficiente para minimizar os estoques. O ideal é minimizar os estoques, sem comprometer o suprimento ao cliente. Desenvolva fornecedores alternativos para aumentar a frequência de pedidos (diminuindo o tamanho das compras e evitando acúmulos de excedentes). Produtos com baixo giro de estoque devem ser identificados e eliminados (não adianta comprar um produto “micado” de um fornecedor que dá muito prazo para pagar a compra).

Terceiro, negocie bem o prazo de pagamento de seus fornecedores, tendo o cuidado para que este prazo não reflita em preços maiores (e consequente perda de competitividade). Desenvolva fornecedores alternativos para aumentar seu poder de barganha na negociação. Evite importações que possam gerar perdas cambiais e problemas logísticos.

Quarto, e mais importante: nunca distribua dividendos considerando apenas o lucro líquido (ou ainda pior, o faturamento). A decisão de quanto distribuir de dividendos deve focar na geração de fluxo (livre) de caixa não só no período em questão, mas também na projeção deste fluxo para o futuro próximo (de um a dois anos). Se seu capital de giro é positivo, use o dinheiro “em excesso” para acumular reservas, pois o dinheiro é o ativo estratégico mais importante de qualquer empresa.

Em resumo:

Capital de Giro

Remédio

Veneno

Recomendação

Contas a Receber
(CAR)
Amplia a
clientela
Inadimplência Foco na qualidade da venda e não só na quantidade
Estoques Atende com quantidade e variedade É dinheiro em forma de mercadoria que pode “encalhar” Minimize-o. Explore fornecedores alternativos. Evite produtos de baixo giro e importados
Contas a Pagar (Fornecedores) É uma fonte alternativa aos bancos para financiar as compras da empresa É uma dívida DE CURTO PRAZO que devera ser paga. Se sua credibilidade for abalada, as próximas compras serão à vista, ou antecipadas Explore fornecedores alternativos e use seu poder de barganha. Mantenha reservas. Evite descasamentos com o CAR. Investimentos (de longo prazo) e dividendos (gastos improdutivos), só com base no fluxo de caixa e não no lucro líquido

Hoje, estamos vivendo uma época de incerteza. Há indícios que a economia brasileira pode entrar em recessão e o desemprego aumentar. Cuidado dobrado com o capital de giro, tanto para empresas quanto para pessoas físicas.

Sobre Eduardo Luzio

Economista pela USP (88) e PhD pela PhD University of Illinois (93). Consultor em finanças corporativas e estratégia. Professor de finanças na FEA-USP, FGV -SP e Insper.

8 Respostas para “Capital de Giro: Remédio ou Veneno?”

  1. Professor, só para constar, não sei se é assim mesmo ou não, mas este artigo não está indexado nas abas do seu site. Este não deveria estar em estratégia? Abraços Rogério. depois não esquece de apagar este comentário.

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  2. luciano limeira ribeiro Responder 8 de Maio de 2015 às 12:31 AM

    Legal o artigo, enxuto, vai direto ao ponto e a linguagem é bem amistosa.

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  3. Ótimo artigo, que explora bem um assunto extremamente delicado e atual.

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