Para que serve o doutorado? Por que investir em um?

Texto publicado na Revista “O Visconde” do Centro Acadêmico da FEAUSP, na edição III de Agosto, no. 25 (https://oviscondedotcom.files.wordpress.com/2015/08/o_visconde_agosto_2015_site.pdf).

“Nem tudo que quantificamos importa,
e nem tudo que importa pode ser quantificado.”

Albert Einstein
(Apud, What Management Is, J. Magretta, p. 119)

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Se você está no começo da graduação, esta pergunta pode lhe parecer muito distante, precipitada. Talvez você nem saiba ao certo o que é um doutorado. Tampouco para que serve este título.

Vou tentar responder estas perguntas a partir da minha experiência pessoal. Sou economista, mas acredito que estas respostas poderão servir para outras escolhas de carreira.

Vou abordar estas questões sobre dois ângulos: o racional e o emocional. Estas abordagens parecem ser diferentes, mas no fundo não são. São duas faces da mesma moeda.

Abordagem Racional

Um doutorado é um investimento estratégico de longo prazo. Estratégico porque é um investimento em você, na sua capacidade de se diferenciar de seus concorrentes no mercado de trabalho privado, público e acadêmico. De longo prazo, pois não são só os quatro anos do programa em si, mas todo um preparo intelectual e financeiro que deve começar o quanto antes, desde a graduação.

O doutorado é capaz de ensinar algumas coisas importantes, que podemos aprender também na graduação e no mestrado, mas no doutorado o nível de profundidade é mais elevado e intenso. O que o doutorado nos ensina?

1) Desenvolver uma técnica própria para estudar. Isso vale ouro, pois nunca paramos de estudar. E quando paramos, mofamos, ficamos defasados. E cada um tem um jeito próprio de estudar.

2) Pesquisar. Ouro novamente! O mundo, o Brasil, está repleto de perguntas sem respostas. De fenômenos misteriosos, tanto na academia quanto no mercado não acadêmico. O doutorado te ensina a perguntar. Depois te ensina a como tentar descobrir possíveis respostas. Por vezes, nas provas do doutorado, os professores fazem perguntas que nem eles próprios sabem a resposta. Eles querem saber se você é capaz de pensar. De fazer as perguntas corretas, de apresentar o problema e possíveis soluções.

3) Ter perseverança. Nunca me esqueço da minha primeira semana no doutorado. Conheci um doutorando que já estava no programa há quatro anos. Perguntei: “o que é preciso para fazer um doutorado? É preciso ser um gênio?” Ele me respondeu: “Não precisa ser gênio, precisa ter paciência”. Paciência, disciplina e perseverança são ingredientes fundamentais em todo o investimento estratégico de longo prazo. Desde um doutorado, um casamento, uma start-up, uma carreira,…

4) Ensinar. No doutorado há possibilidades de ajudar professores a ensinar na graduação. Isso é muito precioso. O melhor curso que fiz no doutorado, foi “Introdução a Economia”, que ensinei por 4 semestres à alunos de graduação. Uma coisa é você estudar e entender um conceito, uma metodologia. Outra coisa é você ensiná-los a outra pessoa. Se aprende muito ensinando.

Portanto, o doutor é capaz de estudar, pesquisar e ensinar com perseverança e vários graus de profundidade. Além de tudo isso, um doutorado é um título internacional. É como se fosse uma “carteira de motorista internacional”, que você pode usar no Brasil, na Austrália, onde quiser. Aumenta sua capacidade de ir e vir. Isso lhe dá opções. Em economia aprendemos que opções tem valor.

Além de abrir as portas do mundo, um doutorado também pode permitir o transito entre o mercado acadêmico e o não acadêmico (bancos, consultorias e empresas). Nem sempre o mercado sabe precificar um doutor adequadamente, mas acredito que seja questão de tempo. Este transito entre o acadêmico e o não acadêmico acredito ser de muito valor, pois é a oportunidade de articular teoria com a prática e vice-versa.

Abordagem Emocional

Repetindo: um doutorado é um investimento estratégico de longo prazo. Assim como em outros investimentos de longo prazo, por exemplo, uma carreira em uma empresa, uma start-up, um casamento, filhos, um idioma estrangeiro, um esporte, um instrumento musical, é preciso apostar. Apostar num desejo, num gostar. E, como todos os investimentos de longo prazo, não há garantias de sucesso. Mas, o desejo é fundamental.

Como você pode saber se gosta o suficiente do que faz para sustentar um doutorado?

Só o tempo dirá.

Posso adiantar-lhe que se você leu este artigo até aqui, há um desejo. Um desejo que deve ser ouvido.

Para mim, a certeza de que realmente gosto de economia demorou 20 anos. Oras, vamos ser sinceros. Estudar é árduo e pode ser bem solitário. Fazer provas então… Mas, eu consegui me graduar e fazer o doutorado. Isso tudo não se consegue sem gostar.

Depois do doutorado fui trabalhar como economista em grandes instituições no exterior e no Brasil. Tive chefes que admirei e tentei seguir, até imitar. Não havia mais provas. Mas havia metas a se cumprir.

Cometi erros, acertei também. Segui minha carreira como economista em grandes instituições. Mas, foi quando decidi abrir minha própria empresa de consultoria, quando pude escolher o que iria ensinar e pesquisar, quando pude exercer a economia da maneira que acredito ser a melhor, que percebi o quanto amo a economia. O trecho de um poema de Fernando Pessoa ilustra bem este momento de passagem:

“Senta-te ao sol
Abdica
E sê rei de ti próprio”

Descobri também o que me fascina em economia, que é seu objeto de estudo e seu método, que pode ser assim resumido:

“Cada vez mais a economia tem se tornado uma disciplina quantitativa, de números. Mas, seu objetivo primordial é explicar o comportamento humano.”

(Magretta, p. 203)

Há outros caminhos alternativos ao doutorado? Sim! Tudo depende do que ser quer e como se quer. O doutorado pode ser um destes caminhos, que começa estruturado (ex. créditos a cumprir), mas termina com você e seu desejo. Um doutorado é também um ato de empreender. E você pode empreender dentro de uma empresa existente, ou criar algo novo, por exemplo.

Independente do caminho escolhido, é preciso saber que não há atalhos. Qualquer caminho para a diferenciação sustentável vem com muito esforço, perseverança e visão de longo prazo. O desejo custa caro. O desejo próprio, mais ainda.

Por fim, independente do caminho escolhido, lembre-se que é preciso ter humildade para progredir. O que é humildade? Humildade é saber que você não é melhor ou pior porque tem um doutorado. Você é apenas diferente. Nunca se esqueça que fazer um doutorado é apenas uma etapa. Daí vem a mais importante: o que você vai fazer com seu doutorado?

Boa sorte no seu caminho.

Um abraço,

Eduardo Luzio

Sobre Eduardo Luzio

Economista pela USP (88) e PhD pela PhD University of Illinois (93). Consultor em finanças corporativas e estratégia. Professor de finanças na FEA-USP, FGV -SP e Insper.

7 Respostas para “Para que serve o doutorado? Por que investir em um?”

  1. Edu, este artigo chegou em boa hora: em janeiro começarei o meu doutorado. Acabo de receber a bolsa de estudos! Grande abraço!

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  2. Me admirei com sua história, você é o cara! Parabéns! Vou me especializar e me formar em Nutrição Esportiva, se Deus quiser.

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  3. olá! poxa gostei muito do assunto. estou querendo iniciar o mestrado e emendar o doutorado, minha questão é: apenas com o inglês dá pra fazer o doutorado? obrigada

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  4. Gostei do seu artigo, estou no terceiro semestre do doutorado, e me fiz a seguinte pergunta: Para que serve um título? Principalmente no mundo de hoje. Não tenho pretensões de ser Prof. de Universidade, mas quero trabalhar com pesquisa e desenvolvimento, sou graduado em Eng. da Computação e estou fazendo doutorado em Visão Computacional, o mercado brasileiro não é muito bom para absorver doutores, mas há muitas vagas no exterior que exigem ou apreciam o fato de você possuir um doutorado. Claro que o doutorado em si é só um título como a graduação e o mestrado, mas o que importa é o quanto você se esforçou e se reinventou como ser-humano e profissional para obtê-los, e é isso que realmente importa e que fica. Abraços.

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    • Luiz, muito obrigado pelo seu comentário, por compartilhar sua experiência. Acredito que a capacidade de pesquisa, o rigor científico, o comprometimento pessoal são muito importantes e tem valor fora da universidade. Um abraço, Eduardo

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