Natura Cosméticos, a empresa “perfeita”?

No primeiro semestre de 2011, lecionei a disciplina “Avaliação de Empresas” na FGV. Dividi a classe em grupos, cada um responsável por avaliar uma empresa de capital aberto. O grupo que avaliou a Natura me chamou a atenção. Segundo eles, a Natura era uma empresa “perfeita”. Não tinha defeito algum… A Natura tem esse poder de fascinar que a analisa…

Mas, como assim? Toda empresa tem suas fraquezas, seus desafios. A Natura não tem concorrentes? Segundo os alunos, que eram muito bons, os concorrentes, Avon e O Boticário, não eram ameaças significativas à marca e aos produtos Natura. Fiquei intrigado, questionei, provoquei, mas não me aprofundei na análise do mercado.

Alguns anos se passaram, e ontem me reencontrei com a Natura. Desta vez, no Insper, na mesma disciplina. O grupo de alunos apresentou um quadro bem diferente daquele de 2011. Entre 2012 e 2013, o preço das ações na Natura caiu 27% (mais do que o IBOVESPA no mesmo período). Entre 2009 e 2013, sua fatia de mercado também, enquanto que concorrentes como O Boticário, Unilever e a Procter & Gamble aumentaram sua fatia em 50% (dá-lhe Faustão!).

O faturamento anual por revendedora, principal canal de venda da Natura, cresceu pouco no período, abaixo da inflação. Lembrando que a revendedora Natura não é exclusiva, ela também pode vender Avon, etc… A margem bruta da empresa também vem caindo, aparentemente porque seus preços estão crescendo menos do que a inflação (viva a concorrência!).

Cerca de 20% da receita da empresa vem de suas atividades no exterior, que só agora começaram a ser lucrativas. A empresa também esta investindo em um novo canal de distribuição: o ecommerce. Entretanto, para fazer uma compra no ecommerce, é preciso fornecer o número de uma revendedora. Ou seja, aparentemente, a Natura paga comissão às revendedoras no ecommerce, sacrificando parte de sua margem. Por que?

Apesar destes desafios, a Natura tem um histórico de distribuir 100% de seu lucro líquido em dividendos. Será que é sustentável distribuir tantos dividendos assim? Se há tantas possibilidades de crescimento no exterior, por que não investir mais? Se a empresa esta perdendo mercado no Brasil, por que não investir mais  em publicidade, novos canais de distribuição (lojas), etc.?

Estaria a Natura “refém” de suas revendedoras? De seus acionistas “viciados” em dividendos?

Dizem que a não exclusividade das revendedoras foi escolha da Natura, para minimizar o risco de processos trabalhistas. Além disso, parte das revendedoras tinham outros empregos e vendiam cosméticos nas horas vagas. Ou seja, não estavam 100% dedicadas a vender. Mas, será que vale a pena não ter revendedoras devidamente registradas e 100% dedicadas?

Os clientes das revendedoras tem de: 1) fazer compras mínimas (R$ 300,00 por pedido?) e 2) aguardar a revendedora entregar a mercadoria, caso ela não o tenha disponível em estoque. Parece que é pedir muito dos clientes…

A abertura de algumas lojas e/ou quiosques seria uma saída possível? Será que os clientes de shoppings são os mesmos clientes das revendedoras?

Enquanto isso, O Boticário cresce sua rede de 3.500 lojas. Na apresentação um aluno disse que a Natura esta desenvolvendo na Austrália um modelo de loja para implantar no Brasil. Se isso for mesmo verdade, precisa  ir para Austrália para inovar no varejo brasileiro?

O valor de uma empresa não depende apenas de seus produtos e marcas. Mas, também de seus conflitos: concorrentes, canais de distribuição, acionistas, fornecedores, funcionários e financiadores. Parece que os 3 primeiros preocupam mais do que os 3 últimos.

A empresa mais velha do mundo, a finlandesa Stora Enso, que hoje é uma das maiores empresas de papel e celulose do mundo, começou há 800 anos atras como uma mina de cobre. Fico perplexo em pensar no percurso desta empresa: quantas adaptações ela não precisou fazer para se perpetuar. Quantas “re-invenções”, quebras de paradigma? Acho que a Natura está precisando se reposicionar, pois o mercado esta mudando…

Sobre Eduardo Luzio

Economista pela USP (88) e PhD pela PhD University of Illinois (93). Consultor em finanças corporativas e estratégia. Professor de finanças na FEA-USP, FGV -SP e Insper.

3 Respostas para “Natura Cosméticos, a empresa “perfeita”?”

  1. Oi Edu, gostei do artigo e realmente tenho ouvido que a Natura está com problemas. Há alguns dias atrás estive com ex-colegas da Avon, inclusive 2 ex-presidentes e vários ex-diretores, e isso foi um dos assuntos do almoço. O principal problema que comentaram é que o “cabeça” da empresa…Luiz Seabra, já milionário, se afastou e deixou o comando com profissionais, e também o Guilherme Leal (outro sócio) também enriqueceu e não tem dado expediente normal…daí a situação atual.

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  2. Como uma empresa tão grande pode perder a cadência assim? A marca é bem vista e querida pela mulherada. As campanhas com apelo até que bem interessante segundo elas. Sei disso porque faz pouco tempo que fizemos por aqui uma pesquisa para uma concorrente e ela foi bem e bastante citada. Os catálogos, onde nossas mães, tias, avós compravam e esperavam já não tem muito apelo. Afinal estamos numa época de quero já e quero agora. Como inovação a consumidora tem Contém 1 grama, Quem Disse Berenice e a Boticário que respondem perfeitamente a esta urgência. Muito legal o texto do Edu, vi que os problemas são de várias ordens, mas parece que não estão olhando pro consumidor. Afinal, é ele que te põe na frente do concorrente.

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  1. O que é (e o que não é) Estratégia? | Reflexões sobre valor - 16 de Julho de 2014

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